Dra. Fernanda Mocelin

Racismo: dá para explicar para as nossas crianças?

Eu e meu marido sempre damos dinheiro no sinal. Não interessa se é preto, branco, alcoólatra, drogado, novo ou velho. A gente sempre dá. Dá e explica para a Rafa o motivo, pois achamos que ela deve saber, todos os dias, o quanto ela é socialmente privilegiada. Estava hoje almoçando com a Rafa e uma menina, da mesma idade dela, veio pedir dinheiro. Rafa deu um dinheirinho, as duas conversaram timidamente e o uber chegou. Comentei o quanto é legal poder ajudar os outros. Ela concorda, mas questiona: “Mãe, por quê as pessoas que pedem dinheiro sempre têm pele marrom”?

Eu fingi que não ouvi e mudei o foco.

Não soube explicar a origem histórica da marginalização social imposta aos negros. Não para uma criança de 4 anos, porque iria soar desconexo e surgiriam mais perguntas sem resposta. Podemos fingir que o racismo não existe, mas, quem é da minha geração e vindo de uma cidade italiana sabe do que estou falando. Tive vergonha de contar que, com a idade dela, minha mãe foi chamada na escola porque eu não dava a mão para a (única) colega negra. Minha melhor amiga, quando namorou um negro, deixou a cidade em choque. O juiz da cidade -negro- sempre era confundido com empregado: “e aí, negão, chama lá teu patrão”. Isto sem falar nas tradicionais expressões negrofóbicas que, por lá, são corriqueiras. Caí na real quando me mudei para Pelotas e deparei com uma população com número expressivo de negros. Uma população absolutamente acolhedora. E negra.

Decidi, então, que faria diferente com as minhas filhas.

As gurias são criadas em um ambiente livre de racismo. Por aqui, comentamos o quanto a pele negra é linda e o quão “fashion” são as trancinhas que as meninas negras usam.

Mas dizer que racismo não existe é negar a realidade.

Ainda “estranhamos” (e isto parece piada!), quando uma negra anda em um carrão. Na medicina tive apenas um colega negro. Rafa não tem colega negro. Dizer que as oportunidades são iguais é sacanagem. Sim, tem a história do filho da empregada que passou na Medicina da USP estudando à luz de velas, mas a verdade é que a vida dos negros é mais difícil. Os números estão aí para provar.

Falar que não existe racismo é tão bizarro quanto falar que não existe machismo: não quer dizer que porque VOCÊ não sentiu o machismo na pele, ele não existe.

Esta histórica desvantagem dos negros dói. Mata. Envergonha. E ainda pergunto e gostaria de ajuda para a resposta: tem como explicar, para uma criança de 4 anos, porque quem pede dinheiro sempre tem a pele marrom?


Dra. Fernanda Mocelin – Pneumopediatra – RQE 27.163